sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

rodoviária

"É um saco, né?" ele diz, passando a mão pelos cabelos. Nervoso. Ele sempre faz isso quando está nervoso, é uma das milhares de pessoas que faz isso. Clichês do nervosismo: abrir e fechar as mãos, passar os dedos pelos cabelos, tremer a perna. Pegar o maço de cigarros e ficar passando de uma mão para a outra, se decidindo se deve ou não acender outro. Ele olha para mim. Os olhos dele são marrons. Eu nunca perdi muito tempo reparando nos olhos - eu sempre me senti mais atraído pelo sorriso, os lábios finos, dentes grandes, caninos pontudos. Mais como um lobo do que um vampiro, no meu ponto de vista. Ele está esperando uma resposta, olhando com seus olhos marrons. É engraçado que é realmente marrom, a cor que você pensa em castanho. Não é claro, nem é escuro. Fico em silêncio por tempo demais, e ele parece desistir da minha resposta. Desiste de esperar, também, puxa o cigarro e coloca o maço no bolso, então procura o isqueiro. "Ah, merda." murmura. Olha para mim, meio segundo se perguntando se eu tenho um isqueiro. Balanço a cabeça negativamente, devagar. Ele suspira resignado, os ombros caem. Não guarda o cigarro, pega ele entre os dedos e finge que está fumando. "Eu fazia isso quando era mais novo." comenta. Está incomodado com o meu silêncio, mas continuo sem dizer nada. Olho para seu rosto, quero memorizar cada pequeno detalhe. Testa larga, uma cicatriz pequena quase escondida nos cabelos. Sobrancelhas grossas, escuras, ásperas. Olhos marrons. Tem um formato estranho, diferente, são grandes e bonitos, quase puxados. Nariz largo. Lábios finos, dentes grandes. Pele escura, parece pele de gente forte. Quero lembrar, quero lembrar sempre. "Você... se incomodaria de dizer alguma coisa?" me oferece um sorriso nervoso. Sim, eu me incomodaria, penso e continuo em silêncio. Olho ao redor, ninguém está prestando muita atenção na gente. Estamos meio de lado, fora de quadro. Ouço o barulho do motor chegando perto e respiro fundo, fechando os olhos. O que eu poderia dizer? O encaro, tentando fazer com que meus olhos mostrem o que eu estou sentindo. O olhar dele é triste. O ônibus está aqui, as pessoas já estão entrando. Ajeito a mochila nas costas, está na hora. Ele estende os braços para me abraçar, meio tímido, mas eu não posso simplesmente abraçá-lo. E com toda aquela gente ao redor, seguro seu rosto entre as minhas mãos e dou o beijo mais forte de todos. Um beijo pra machucar, pra deixar uma cicatriz, ainda que só na mente. Me separo dele bruscamente, pessoas nos olham, fazem caretas de nojo, provavelmente tem alguma ameaça de morte ao fundo, escuto alguém dizer bichas nojentas, ele me olha, ele sorri e eu sorrio e é o fim. Subo no ônibus, vou sentar ao lado de uma velhinha. Ela sorri para mim e diz "é um rapaz bonito." olho para ela e depois pela janela, e ele está de costas, indo embora. Respiro fundo, inúmeras vezes, e murmuro: "sim. É sim."

3 comentários:

Fernanda disse...

É tão... Já falei: Triste. É bonito e pequeno e simples e... Doloroso, estranhamente. O final dói porque é tão rápido, tão fácil. </3

Anônimo disse...

lindo!
(e despedida - em mais de um sentido nesse caso - é sempre uma bosta)

Hide and Seek disse...

Pronto, li. E amei. As coisinhas curtas que você escreve sempre têm a capacidade de me fazer me importar com pessoas inexistentes, sobre as quais eu li em alguns segundos.

Me apegar a elas e querer dar um abraço, dizer umas palavras de consolo.

Me deu muita saudade de escrever, também. E saudade de você.