Coloquei o gravador na mesa entre nós dois, pedindo para ela começar a contar a história. Ela achou esquisito, ela franziu o cenho pra mim, no começo. Mas ela topou, no final das contas. Tava vestida de preto, o cabelo castanho solto e rebelde, de óculos escuros. Ela não gostava que olhassem seus olhos. Ela pediu um chocolate quente, eu pedi um café, liguei o gravador. Ela olhou para ele, pensando em como começar, respirou fundo. E começou a falar.
Eu o conheci há muito tempo, muito, muito tempo, desde antes de a gente se conhecer de verdade. Mas nessa vida, eu o conheci ainda criança, no funeral do irmãozinho deles. Nossos pais eram amigos. Eu fiquei meio entediada lá, aquele lugar, todo mundo chorando. Eu tinha quatro anos, sabe, nem lembro de verdade, mas imagino que eu tenha ficado assim, mesmo. Então, a gente meio que ficou amiguinhos, uma coisa bem irrelevante. Aí a família dele se mudou, aí eu fiquei por aqui mesmo... Bem, só sei que, quando a gente tinha quinze anos, se reencontrou. Que romântico, tu deve pensar. Bem, foi engraçado, sabe. Ele era um adolescente daqueles trevorosinhos. Muita música gótica, sabe? Ele fumava muito, bebia muito. Ele gostava de escrever, acho que foi isso que mudou tudo. Quer dizer. O que ele escrevia era engraçado. Sabe aquele povo que tem síndrome de que nasceu no século errado? Então, é bem isso. Ele só pensava no século XIX, uma coisa meio surreal. Mas sim, os poemas. Tinham alguns bem legais, de verdade, mas outros... ah, se eu fosse uma moça do século XIX eu gostaria, né? Tinha um amigo dele, também, ele era muito engraçado. Um desses tipinhos pervertidos. Enfim, aí eu me apaixonei por ele. Ele era um cara meio complicado. Ele tinha uns acessos de tristeza... uma coisa que nós temos, normalmente, né? Acho que todo mundo tem uns acessos de tristeza. Mas ele preferia viver preso a essa melancolia. Eu era meio boba, acho, achava isso... romântico? É, sei lá. Ah, eu tinha quinze anos! Não que isso seja desculpa. Pessoas de quinze anos não são bobas, quer dizer, eu era. De qualquer forma... quando eu tinha dezesseis anos, a gente começou a se pegar, né? Hahaha. Isso durou muito... foi bem legal. Ele tinha um pressentimento de que ia morrer cedo. A gente conversava muito... É. Aí um dia, ele saiu. Normal. De carro. Ele tinha 20 anos. Ele tava meio bêbado, bateu. Ficou um tempão no hospital... acabou morrendo. Nossa, eu me senti dilacerada. Ainda sinto. É... ele morreu, o pai dele tava no quarto e um irmão. Aí... aí ele disse que aquilo era uma fatalidade. E morreu. É.
Desligo o gravador, agradeço. Ela toma o chocolate quente, os olhos avermelhados. Termina, dá de ombros e vai embora.
Quero falar um pouco sobre "A Baleia"
Há um ano
Um comentário:
GENTE. GENTE. QUE LINDO.
Quer dizer, que triste, porque o Álvares morreu, né. Mas que lindo eles dois no ~século XXI~ se pegando.
E a MS contando ficou tipo Titanic, hahahaha <3
Amei.
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